Serão os dados um "digital divide" nos cuidados de saúde?
No Portugal Digital Summit refletiu-se sobre como as tecnologias digitais começam a cumprir a promessa de ajudar a oferecer um serviço e atendimento personalizados, e a coordenar de forma efetiva os cuidados prestados em todo o ecossistema da saúde e bem-estar – mas também como os dados representam um papel fundamental na forma como todo este ecossistema pode e deve ser gerido e melhor aproveitado em prol do cidadão.
Uma conversa que acompanhámos com Luís Filipe Goes Pinheiro (Presidente do SPMS/SNS24), José Pedro Inácio (Presidente Executivo da AdvanceCare), Vasco Antunes Pereira (CEO da Lusíadas Saúde) e Ricardo Pereira (Responsável da Foundation Medicine na Roche).
Nesta sessão sobre Consumer Healthcare do Portugal Digital Summit, que este ano decorre em edição digital e que pode acompanhar aqui, o debate sobre a questão dos dados foi aceso e teve dimensões distintas, desde a parte burocrática que pode constituir uma barreira aos serviços de cuidados de saúde à analítica que leva ao desenvolvimento de soluções.
“O termo público e privado é quase político”, afirmou Vasco Antunes Pereira, salientando que “o cidadão quer é o melhor serviço de saúde para si – e a tecnologia pode e deve existir para criar a camada de fronteira que permita determinar se o cidadão quer escolher usar o seu cartão de serviço público ou ir com o outro cartão a um serviço privado; não podemos é manter os silos nas bases de dados".
O responsável da AdvanceCare seguiu esta linha de raciocínio para dizer que “A partilha de todos os dados para proteger a saúde do consumidor final é fundamental”. Para José Pedro Inácio, “temos de construir um mundo melhor e que resolve os problemas da sociedade, mas temos de perceber a qualidade dos dados, de como estes se trocam – o de facto o RGPD surge da premissa de criar um mercado único digital na UE, e não para torná-lo mais difícil, só que nós depois complicamos – e esse é um ponto também fundamental”.
O Presidente da SPMS/SNS24 não fugiu a esta mesma questão, dizendo que “há um interesse em haver dados partilhados , mas os dados são das pessoas e têm por isso de ser tratados com cuidado especial”. Para Luís Filipe Goes Pinheiro é claro que “todos ambicionamos ter mais informação, sendo aliás um desígnio coletivo tratar todas as pessoas que carecem de alguma forma de aceder a unidades de saúde – o que nem sempre é simples, pois há muitos sistemas que por exemplo fazem telemonitorização ou ainda apps ligadas à vida saudável e essa informação fica retida em silos”.
O ideal seria “ter toda essa informação para criar soluções mais eficazes e abrangentes para ajudar a cuidar das pessoas, e ter data lake com o máximo de dados possível é um caminho para termos um espaço que permita ajudar a cuidar dos portugueses da melhor forma possível.”
Os dados são um ativo igualmente fundamental na parte do desenvolvimento de novas soluções concretas que impactem a saúde dos cidadãos. “Nos últimos três anos houve um boom de aquisição de tecnológicas, sobretudo de empresas com algoritmos já desenvolvidos que olham para os data lakes e conseguem identificar novas oportunidades de terapêutica”, recordou Ricardo Pereira, acreditando que “os avanços formidáveis e exponenciais que estão a acontecer vão trazer-nos um novo mundo que nos vai permitir viver 120 anos”. Para isso contribui o facto de a indústria estar a avançar no desafio da medicina de precisão. “Temos de conseguir agregar os dados de vários lados para criarmos algoritmos de Machine Learning ou Inteligência Artificial que permitam tocar as pessoas e apoiar os clínicos nos cuidados de saúde, dos primários aos mais específicos”, sublinhou o responsável da Roche.
“Queremos ter ML para podemos ler dados analíticos dos doentes e conseguirmos interagir e criar algoritmos traduzam no tratamento precoce de doenças, senão a última fase dos 120 será carregada de doença”, concordou e acrescentou Vasco Antunes Pereira, recordando que “urge atuar antecipadamente para criar sustentabilidade no sistema, uma vez que se sabe que os últimos anos de vida são os mais onerosos para o SNS”.
Para José Pedro Inácio, parte da resolução para este problema da falta de saúde na velhice passa pela prevenção – naturalmente com o apoio da tecnologia. “Somos dos povos mais envelhecidos, em 2025-30 poderemos vir a ser até nação mais envelhecida do mundo. Como fazer a prevenção também nos últimos anos, para que por exemplo as pessoas tenham uma nutrição que esteja de acordo com as suas característica biológicas? Acredito que as apps para os targets certos e a gamificação são a resposta, tendo por exemplo um coach virtual que nos guie e oriente através do nosso tablet, e que será útil para quem vai ao ginásio mas – sobretudo – não só.”
Falando em apps, a aplicação mais falada nestes últimos dias não escapou ao debate. Sobre toda esta celeuma em torno da StayAway Covid, Luís Filipe Goes Pinheiro referiu que a eficácia de qualquer medida tem de ser enquadrada nas expectativas que se geram e que o fundamental passa por mudar a mentalidade das pessoas, algo que terá sido conseguido: “Há nove meses ninguém sonharia com a situação que ainda hoje vivemos, e esperamos que apareça uma solução mágica e resolva o problema de um dia para o outro.
A app surgiu para dar o seu contributo e será tão mais importante quanto o número de pessoas que a usam na sua plenitude. E o facto é que desde que a discussão se generalizou na praça pública tivemos mais 900 mil downloads face ao que existia, para um total hoje de 2,4 milhões.”
O Presidente da SPMS/SNS24 aproveitou o debate para elogiar o esforço que tem sido feito por todos os profissionais durante estes meses, em que o serviço SNS24 passou de pouco mais de 3.000 chamadas para mais de 20.000 diariamente. “O valor mais alto está em 23 425 nesta última quinta-feira, 22 de outubro”, recordou o responsável sobre o serviço que inclui sete call centers em seis cidades do país do Porto a Loulé e passando por Lisboa e Covilhã, e que passou em poucos de aproximadamente mil operadores para 2.250 em escala rotativa e numa operação 24/7, e que tem sempre à sua frente um grande desafio. “Esta linha tem profissionais altamente qualificados, pelo que falamos de um contingente que é limitado”.
O Portugal Digital Summit decorre até ao final do dia de hoje, 23 de outubro, num formato online, com transmissão em streaming e no canal 420 das quatro operadoras de TV, MEO, NOS, NOWO e Vodafone.